Sunday 13 February 2011

não moro

Namoro. Não. Não namoro. O tempo esticado que nem uma corda preso ao grande ben e a mim. Um tempo largo e cadente, as tranças perpétuas das fibras em tensão. Do outro lado, eu a lançar a corda, convicta do meu nó cego para que tu o apanhasses. Deste lado tu a prenderes a casa e a vida. Pé ante pé, o meu corpo equilibrado na linha, os meus braços abertos para ti. O olhar para a frente, as omoplatas tensas para trás e nunca o contrário. Fechar-te nos braços e olhar por dentro para os teus olhos. E aprender a não deixar a porta no trinco. E a semicerrar os olhos do sol. Depois chega hoje, e a semana passada e o mês passado e sou eu outra vez a bater contra as minhas paredes no lugar onde moro. Gostava mesmo de não me estar sempre a perder no que sou. Quando chega hoje é como não houvesse razão para o amanhã e eu devo estar doente. Disseste estás muito doente. E os meus pulmões em liberdade condicional a contrariar, como o resto. Mas ainda assim precisava de me virar do avesso e ir para a máquina. E rezar para que as nódoas negras saiam. E que não venha chuva amanhã. Que é dia dos namorados e apesar de tudo eu espero uma flor.

Wednesday 14 January 2009

Where are we?

We got lost.

É bom, por fim, saber que não há mesmo ninguem comigo.
Despeço-me e parto. Parto-me e os bocados espalhados de mim pelo meio de beatas mirradas sugados pela noite na beira da estrada. Faltam mãos nas luvas para me acenar e nem mais uns dedos no ar para mim. Nem uma pergunta. Uma aí ao fundo. Sim, vim sozinha. O outro senhor ainda mais longe. Sim, outra vez. Acabaram-se as perguntas.

Tuesday 14 October 2008

não

Não digo bom dia. Acordo e não digo nada. Água. Repito o meu nome. Daniela. Sim à data de nascimento. O meu nome impresso em série antes de se colar a meia duzia de frascos vazios como iogurtes no supermercado. Arrasto e ajusto a cadeira, que podia ser de dentista pelo peso, para poder desmaiar à vontade seguindo indicações especificas da enfermeira indiana em passo de hipopotamos ao sol e sem poça. Obrigada. Concentro-me no cubo de açucar amarelo e seco na boca. Nos 500 euros que me cairam do dente dias antes e que por pouco não engoli. Trinco o açucar com os outros dentes. Fura-me a enfermeira gorda e eu saio por ai sem vontade. Não caio. Entro tarde. Não olho pela janela. Desenho nas horas que faltam uma parede cortina. Faço me de conta. Saio tarde. Apresento-me a estranhos sem vontade. Chove-me um bocadinho nos óculos e nos olhos. Não vejo razão nenhuma para que as coisas passem por mim e não me encham. Pães com manteiga e fiambre. Bifes. Casas vazias cheias de gente. Quartos sem janela. Espero pela semana que vem e pelos resultados por escrito. Com os intervalos de referência. Espero pelas cápsulas. Pelo xarope. Não digo boa noite. Durmo e nem sonho.

Tuesday 30 September 2008

um caminho

Triste triste é no caminho de casa passar ao lado de uma conversa atravessada pelo vidro e pela esquina do MacDonalds. Por esta conversa não ter palavras que se ouvissem. Por ter gestos por letras e olhos e dentes de intenções. Pelo buraco de silencio que trazia à rua, como eu sempre que espreito pela porta que não abro nunca ao meu vizinho. Pela dor na minha garganta a marcar o início do Outono e o inverno demorado da minha voz. Pelo som das ondas nas cordas vocais do meu avô a caminho da India estar a caminho de se perder no caminho que levava tão pouco a chegar até mim que poderia até estar ao lado, mas não estou. Mas triste triste é que o caminho não mude. Que mude mude e não mude assim tanto. Que mudo mudo eu não sei ouvir.
Triste triste é que as pessoas parecem entender-se de qualquer maneira e eu não me faço entender que te entendo de maneira nenhuma.

Sunday 31 August 2008

a mosca

Ando meio morta. Se fosse uma mosca ia contra os vidros dez vezes, voava rente ao chão e parecia perdida a grandes velocidades em direcções várias e muitas vezes contrárias.
Ainda que ontem tenha sido o primeiro, unico e ultimo dia de sol deste Verão e do passado, comprei uns óculos: negros, redondos e gigantes. Não tinha mais necessidade que a de querer ver-me ao espelho exactamente como me sinto.

Monday 19 May 2008

sangue

'Já a algum tempo que ele quer pintar as lembranças de um pôr-do-sol. Vermelho como sangue. Não, era realmente sangue coagulado. Mas ninguem o veria do mesmo jeito. Qualquer outra pessoa iria pensar em nuvens. Falar delas fazia com que ele ficasse triste e irrequieto. Triste porque os humildes meios disponìveis para a arte nunca eram suficientes.'

Christian Skredsvig sobre 'O grito' de Edvard Munch

Auto-retrato #2