Wednesday 28 November 2007

Pos-Ophelia


Pos-Ophelia 2007

Ophelia


'Ophelia' Millais, 1852

Pré-requisitos

Ontem projectaram para meia duzia de Portugueses pré-doutorados (e eu) e outros tantos do resto do Mundo, o 'Lisboetas', que tinha ganho o Indie Lisboa aqui há uns anos, na UCL. Eu não tinha visto, e fui. Procurei a Gordon Street mas perdi-me na Gower, paralela, antes de um transeunte com telemóvel equipado com google maps me iluminar o caminho.

Numa das casas da Gower street há uma placa. Na placa diz que atrás da parede onde a placa se segura, um grupinho de amigos decidiu, há cento e tal anos, que o pessoal das artes estava todo maluco, que já nem sabiam nem de que terra eram nem para onde iam com tanta tralha, o chamado climax barroco.

E tiveram uma ideia genial. Escolheram a charneira (Rafael) e voltaram várias centenas de anos atrás para tentar seguir outro rumo. No fundo, emigraram no tempo. Eram meia duzia. Formalizaram o primeiro movimento da história da arte. Um género de irmandade do anel, mas sem anel. Acharam que o Rafael tinha indicado o caminho da luz (dos focos, vá), e eles procuravam a sombra.

Imagino esta meia duzia de pré-Rafaelitas na casa dos pais do Millais, ou seja, do Mr. e da Mrs. Millais a ter uma conversa completamente alucinada onde tentavam descobrir onde é que tudo tinha colapsado e a tecer teorias e hipóteses para palmilhar um caminho mais seu.

Pensei outra vez nos 'Lisboetas' e acho que a meia duzia de pré-qualquer coisa que agora se junta nas casas dos pais, próprias ou alugadas de um deles no mesmo lugar ou noutro já não se junta; faz tudo sozinho.
Por um lado há milhares de milhões de movimentos e hapennings e intenções e afins. Do outro lado estou eu que não sei fazer nada de jeito sozinha.

Procura-se irmandade. Indispensável saber o caminho a tomar.


Millais, Tate Britain até 13 de Janeiro.

Monday 26 November 2007

a fonte e o cisne




i'm a tree that grows hearts
one for each that you take


Fountain of love in the shape of a girl
London, Hammersmith Apollo, 14 April 2008

Saturday 24 November 2007

dental care

À vezes que sonho que os meus dentes me caem. É angustiante, deseperante, doloroso mas normal. Cada ano ou de dois em dois anos eu já espero a dor durante a noite. Já tinha lido algures que é a morte ou um bocadinho mais suave, o desenlace de familia, e percebi que regressa sempre que mudo de lugar ou me sinto assim mais ou menos abandonada ou esquecida. Ontem à noite apelidei-me de inglesa e fui com os meus colegas for a pint and a pie. Fiquei um bocado bêbeda mas ainda consegui fazer um plano e verificar areas até às 5. Novos dados virtuais durante a tarde actualizaram a minha vontade e desespero de, às 5.30 estar já sentada a uma mesa de madeira com um copo de vodka limão à frente. Depois o desespero passou. Algumas vodka limão, rum com cola e um coktail surpresa mais tarde caiu-me a massa de um dente. Deu-me vontade de chorar.

Saturday 17 November 2007

The catcher in the Ryan

Ainda bem que os bilhetes comprados na net eram para ficar de pé, e que tenha sido numa sexta-feira depois de 5 dias de trabalho (um deles de patins).
Ainda bem que chegámos mais cedo (a pensar que os ingleses eram pontuais) e que o concerto durou 3 horas. Que estávamos atrás da ultima fila, de pé. Que eu não tinha levado a minha lente zoom e nem sequer a câmara.
Porque se eu lhe pudesse realmente ter visto a expressão, a cara escondida debaixo do gorro e somar palavras com voz com pernas ao ritmo do som com som com cadeiras de veludo vermelhas com luzes amarelas e com estrelas no pano de fundo, teria decerto subido para o palco ou saído porta fora.
Nunca se sabe bem o que uma pessoa pode fazer quando se apaixona.

Monday 12 November 2007

Sunday 11 November 2007

masoquismo

Duas. As vezes que fiz a prova para entrar no Conservatório de Música. A primeira vez porque não tinha nada a perder e nem sabia o que ia fazer. Não me lembro que música cantei. Arriscaria Vivaldi, Nulla en mundo pax sincera porque a sabia de memória. E talvez algum excerto de alguma musica que andaria pela minha cabeça nesse dia. A segunda vez porque queria mesmo, uma música em italiano arcaico aprendida no dia anterior com a ajuda de uma amiga de canto gregoriano. Na primeira prova acho que nos rimos todos, eu e os três juris alinhados ao lado do piano, a contar piadas sobre o facto de eu parecer a Olivia palito. Ia de vestido às riscas. Um fartote. Da segunda ninguem se riu, dado que parei de cantar ao primeiro acorde. Acho que me deu vontade de chorar, mas devo ter recalcado tudo muito bem.

Duas. As vezes que envio um email para o Rem. A primeira, como todas, porque não tenho nada a perder. Nem me importo. A segunda porque quero mesmo ouvir-lhe a voz, ter um ídolo e uma desculpa para voar para o outro lado do Atlântico se este chão se diluir debaixo dos meus pés.

Quando é não à primeira vez, é geralmente não todas as vezes seguintes. Não adianta apanhar autocarro nenhum para ballet nenhum com 6 anos de atraso. Ou fazer os caminhos de 30 minutos em 15. Nada vai alterar o facto de chegar sempre tarde.
E mesmo que altere, mesmo a horas, a tempo, eu estou sempre preparada para perder.

Duas. As vezes que te telefono e que tu não respondes.

A vez seguinte atendeste, mas eu nunca deveria ter ligado.

Saturday 10 November 2007

antes e depois

Antes do Halloween, perto de Hackney num bar usualmente de strip, havia uma festa.
Nesta festa, muitos gays, dois ou três deles em cuecas, e uma miuda com mamilos de tecido e penduricalhos socializavam com o poste ao lado do Dj. Todos fixavam um ponto no horizonte - três palmos acima do meu - como se fossem bailarinos clássicos. Eu arranjei uma sombra loira alemã, amiga dos amigos, para dançar. Os amigos desapareciam de tempos a tempos com amigas de outros amigos. Havia uma luz forte vinda de uma câmara de filmar. Ao toque da luz as pessoas tornavam-se parábolas delas mesmas. Riam mais, sorriam mais, agarravam-se com mais força aos pares aos postes às mamas e aos lábios. Eu permaneci ao fresco de um leque de um amigo gay. Não desci as escadas para onde se desaparecia. De vez em quando fechava os olhos e era só eu.

Depois do Halloween, em Hackney num apartamento de amigos de amigos, havia outra festa. Puz um chapéu de bruxa e vesti o meu unico vestido preto. Para equilibrar desenhei uma linha a unir as sobrancelhas e apanhei o autocarro. A sala tinha duplo pé direito. Na cozinha, sopa verde e sopa laranja. Rodelas de limão, lima, laranja, em fila. Garrafas verdes, roxas, vermelhas, brancas, transparentes, laranja. Pringles alinhadas em círculo. Um Dj morto vivo a um canto e o guitarrista dos Jesus and Mary Chain na mezannine de volta das super 8 e das bobines a projectar filmes mudos a preto e branco na parede alta e branca do outro lado. Era o pai do filho da rapariga que falava comigo com um sotaque do Porto. Eu, uma bruxa posh lisboeta enturmei-me com ela e o seu amigo também português com um copo de Martini nas mãos. Ele explicava pela lei das probabilidades todos os porquês e porque nãos das chegadas e das idas, o antes, o durante e o depois de todas as fases. Que pela minha conversa eu teria uns 26 e ou regressava no máximo em cinco anos ou arranjava o principe william para vir comigo ou como razão para ter uma hipoteca. Apresentou-me um Catalão com um macaco azul e boina, por ser o disfarce mais barato de Camden, com quem eu pratiquei o pouco vocabulário que tinha. Ele ia gabando o meu nível de catalão ao meu amigo. Eu achava que tinha sido preciso levantar voo de Barcelona para conhecer especimes interessantes. A meio da conversa o português informa-me do estado civil do amigo: livre. Engoli em seco. Depois de falar aos bocados por três linguas diferentes, o sabor da vodka começou a inundar o meu cérebro e à laia de afiar as unhas, cuspir fogo ou pegar na vassoura e voar, arrastei o catalão para o meio do grupo ao lado onde o vocalista dos Cure, que mais parecia o Howard Stern, socializava com o namorado vampiro e a amiga viuva negra. À primeira oportunidade e para resistir à tontura apresentei-o à viuva negra loira e voei para a casa de banho. Depois de uma hora numa fila de bruxas, piratas, o muro de berlim e um drácula, o mecâncico já trocava palavras salivadas com a viuva sueca, ja não haviam pringles em circulo mas linhas brancas ao canto da mesa. Respirei fundo e fui para a paragem do autocarro com o meu amigo. Quando chegámos lembrei-me que não tinha passe e deixei-o com outras duas amigas à espera.

Fui de ambas as festas para casa a pé. Uns cinco graus. Uns 40 minutos. Um monte de gente em todas as portas de todos os bares. Já perto de casa dois amigos acabavam a noite equilibrados pelos braços nos ombros um do outro. Um deles fixou o olhar na minha mono sobrancelha e não muito alto disse:
you are the most beautifull thing that passed through here today
Foi o meu primeiro elogio em terras de vossa magestade. Agradeci sinceramente e fui os restantes 4 minutos num passo mais ligeiro e com um sorriso nos lábios.

Thursday 8 November 2007

menos mãos



Larga-me da mão. E eu larguei.
Mão fria antes. Fria durante.
Boca na mão. Quente.
Fria depois.

Sunday 4 November 2007

a menina é tímida

Então precisa de algum tempo útil para espreitar pela janela, respirar fundo, abrir o trinco e só depois a porta, e deixar entrar. Pedir para entrar. Ficar feliz com a entrada. Hoje o pub não abriu e há silencio. Posso finalmente gritar. Welcome.

água

A garganta seca e o rimel desfeito nos olhos
Custa-me a desistência mas trago-a cada manhã com copos cheios de água.
(Nunca bebi muita água mas obrigo-me a cada manhã)
Às vezes penso deixá-la morrer de sede
Arrancá-la das minhas mãos e dos meus braços
Mas há demasiado tempo atrás e acostumo-me a não me mexer
Não me acostumo a não me lembrar.

O estômago inundado e unhas nos lábios
Trago-te comigo ao despertar e ao deitar
(quatro vezes ao dia)
Às vezes podia esquecer-te
Arrancar-te das minhas mãos e dos meus braços
Mas há demasiado espaço atrás e acostumo-me a não te ter
Não me acostumo a não me lembrar.

Trago-nos aos dois.
E não me deixo morrer à sede.
E não me arranco de mim.
Esqueço.

Thursday 1 November 2007

Giacometti





Se o Alberto me tivesse conhecido teria de certeza parado de me esculpir em tudo o que é pedra e metal. Respiro fundo. Às vezes o tempo sabe o que faz.



(Se tivesse olhado com atenção talvez não tivesse exagerado nas mamas e nas ancas. Talvez)

A ver com atenção no Centre Pompidou até 11 de Fevereiro

festa à séria


ben vindo

O Ben é giro. Muito giro. Quando nos convidou para uma festa em sua casa, a Marta, verdadeira conhecedora da peça, rumou ao Pub onde tentava enturmar-me com os meus novos colegas por meio de pints de cerveja, e arrastou-me porta fora até o edificio à nossa frente responder a todos os requisitos mencionados no ecrã do seu telemóvel.

O Ben é giro e fotógrafo.
Imagem 1. O Ben a tentar desenvencilhar-se de uma loira sebosa que com um dos pés descalços no Woodstock e as mãos sujas no computador, tecia as mais mirabolantes considerações a cada imagem do anfitrião.

Imagem 2. Uma autraliana não parava de desligar e ligar o ipod e de parar ao primeiro acorde todas as boas musicas que por milagre saiam do desgraçado do aparelho. Em todas as outras musicas cantava e dançava. Mal e mal. Muito. Deu-me vontade, várias vezes, de lhe dar estalos e de lhe tirar aquela porcaria das mãos. Ao mesmo tempo, conversámos com um brasileiro que adivinhou algumas coisas e fez perguntas retóricas só para me enervar. Soava a consciência mas com sotaque. Elucidou-nos: A rapariga era simplesmente um bocadinho atrasada e parecia perdida por estar a 12 horas de avião de casa.
Olhámos uma para a outra a engolir o riso com bloody-intragáveis-Mary´s; Ora, à Marta ninguem a vê com menos de 1 hora de atraso, e eu noutras circunstancias tambem me agarraria ao i-pod a cantar e a dançar, mas sou tão tão atrasada que nem um discman.
Isto para não mencionar todos os jogos de chaves por indecifráveis ruas de todas as cidades, todos os cachecois, carteiras, sapatos da barbie e cassetes, livros, cadernos, agendas, mas principalmente tempo. E gente. E nem preciso de estar a 12 horas de casa, bastam 2. A perder e estar perdida não perco um minuto que seja. On time.

O Ben é giro e fotógrafo mas não fala bem português.
Imagem 3. Eu olho para o duplo pé direito da casa, para as garrafas e para a fruta em cima da mesa, para os sapatos amontoados à entrada, para as fotografias de rurais, para as revistas e para os cds arrumados no perfil metalico que sustenta a mezanine, para os pés e para as meias, e penso que estes gajos não sabem mesmo fazer festas.